REFLEXOS DA COVID 19 NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Em virtude da pandemia causada pela Covid 19, o Governo Federal passou a adotar medidas econômicas que pudessem mitigar os impactos negativos causados pelo distanciamento social.
Inicialmente, decretou a moratória das empresas sob o regime do Simples, prorrogou o prazo de pagamento do FGTS; desonerou a importação de equipamentos médico-hospitalares; zerou o IPI na importação de bens e produtos necessários ao combate ao coronavírus; reduziu as contribuições do Sistema S (as alíquotas foram, em geral, reduzidas pela metade, de modo que as contribuições para o SESI foram reduzidas de 1,5% para 0,75%, do SENAI de 1% para 0,5%, do SESCOOP de 2,5% para 1,25%, e assim por diante).
O Poder Executivo prorrogou, ainda, o prazo de pagamento do PIS-COFINS; concedeu ajuda de R$600,00 aos trabalhadores informais e aos hipossuficientes em geral; ampliou o número de beneficiários do Bolsa Família; autorizou a antecipação do pagamento do 13º salário e do saque do FGTS; e editou a MP nº 936/2020, que implantou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, e a MP nº 944/2020, que estabeleceu o financiamento público e privado da folha salarial.
No entanto, como o Brasil nunca vivenciou uma catástrofe dessa magnitude, não estava preparado legalmente para lidar com as situações advindas da crise.
Como consequência, os cidadãos estão pagando o preço de um Estado que não investiu em políticas públicas e nem tampouco zelou pelas normas que as disciplinavam.
Como se sabe o Estado é mantido por tributos e, apesar da flexibilização que vem ocorrendo desde março de 2020, é certo que no futuro haverá voracidade arrecadatória para poder custear as despesas decorrentes da pandemia.
Em virtude disso, muito se tem questionado sobre a instituição de empréstimos compulsórios ou mesmo sobre a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, com o fim de reabastecer os cofres públicos.
Porém, as experiências tidas por outros países que implantaram Impostos Sobre Grandes Fortunas não foram positivas, pois levaram à fuga de riquezas e mudanças de domicílio. Por exemplo, após a instituição desse imposto na Alemanha, vários cidadãos passaram a transferir suas declarações para países vizinhos, o que fez com que a tributação se tornasse pouco atraente e sua cobrança fosse extinta em 1997.
A criação da CIDE Digital (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico que incidiria sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia), a qual tem sido vista com bons olhos por alguns tributaristas brasileiros, igualmente precisa ser avaliada com cautela.
Afinal, já temos os exemplos negativos da FUST e da FUNTEL que não funcionaram à contento, devido à fiscalização ineficiente por parte do Estado e os recorrentes desvios de finalidade.
E há ainda que se considerar a guerra fiscal existente entre Munícipios e Estados com relação à tributação dos serviços digitais, pois não existe definição quanto à incidência ser de ICMS ou de ISS.
É por esses motivos que, doutrinadores como o Prof. Robson Maia Lins, sugerem priorizar uma reforma administrativa, pois não são necessários tantos serviços públicos lato senso, tais como, estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) e funcionários cabides.
Em um segundo momento, poderiam ser feitos pequenos ajustes em nosso sistema tributário, com a eliminação de toda a contribuição incidente sobre a folha de salário, e a instituição, em contrapartida, do chamado micro imposto (microtax), com o fim de recuperar a arrecadação.
A título de exemplos, pode haver o alargamento da base do IOF para que passe a incidir sobre as transações realizadas no Ifood; bem o aumento da base de incidência da CPMF, ambos com a fixação de uma alíquota bem reduzida. Dessa forma, seria possível arrecadar cerca de 800 bilhões de reais, em um ano, sem impactar as pequenas empresas e pessoas físicas, já que elas não fazem grandes movimentações financeiras em suas contas correntes[1].
Em artigo publicado recentemente, Flávio Rocha, presidente do Grupo Riachuelo[2], esclarece que é factível a adoção de ajustes no sistema tributário brasileiro:
Para transformar o sistema tributário, em especial o brasileiro, é preciso um pensamento disruptivo. Estou falando do microimposto, um salto no conceito e na forma de cobrar impostos. Está em sintonia com o mundo de hoje e de amanhã. E isto é, sim, possível no Brasil, porque nosso país tem um sistema bancário muito sofisticado – fruto de toda expertise do período de hiperinflação.
É importante destacar um grupo de estudiosos do Departamento de Banking e Financing da Universidade de Zurique. Em março deste ano, eles apresentaram um estudo que sugere a substituição de todos os impostos daquele país por um “microimposto” de 0,1%. “O objetivo do “microtax” é a revisão total do sistema tributário. Tudo é arcaico, burocrático e complexo – deriva do século 19. Na era da digitalização, é contraproducente cobrar um imposto sobre o trabalho”, afirmou Marc Chesney, chefe do departamento na universidade suíça.
Ao contrário do que vem sendo dito por opositores da ideia, um imposto micro e único está na pauta de vários países do mundo. A nova tecnologia bancária gera a possibilidade de adotar bases tributárias que são a mais perfeita síntese de toda a atividade econômica de países que têm sistemas bancários modernos. Alguns lugares precisarão de alíquotas de 1%. Nós, de 0,1%.
O renomado professor Paulo de Barros Carvalho também já manifestou opinião no sentido de que não é necessária a realização de uma reforma total, mas sim, de uma reforma tópica do sistema tributário brasileiro. Argumenta que “o sistema nacional reage bem sempre que é acionado, e o resultado ocorre dentro do esperado, ao contrário do que acontece em outros países. […] O problema tributário no Brasil repousa muito mais numa questão ética, em termos de justiça fiscal e distribuição equitativa da carga tributária”.[3]
Feitas todas essas considerações é possível concluir que uma reforma administrativa e uma adequação ao sistema tributário brasileiro, mediante a instituição de micro impostos com alíquotas bem reduzidas, permitiria que o país cortasse custos e ainda aumentasse a arrecadação.
No período de apenas um ano, seria possível recuperar todo prejuízo financeiro causado pela Pandemia da Covid 19 e ainda criar mecanismos para reaquecer o mercado. Outro ponto positivo seria a estimulação do comércio e da indústria às recontratações, mediante a desoneração da folha de pagamento; impulsionando a economia com a abertura de crédito e o aumento das curvas da oferta e da procura.
[1] Posição exposta durante palestra proferida em 22/05/2020, durante o 15º Congresso Jurídico Online Multidisciplinar o Coronavírus e do Direito Decorrente, promovida pelo CERS.
[2]Artigo disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-revolua-a-o-tributa-ria/461235, acessado em 17/06/2020.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Entrevista concedida a Alessandro Cristo, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-jan-17/entrevista-paulo-barros-carvalho-professor-direito-tribu tario>. Acesso em: 13 jan. 2017.
Sabrina Zamana dos Santos, advogada-sócia do Ferreri Sociedade de Advogados desde 2010, mestre em Direito Constitucional pela PUCSP, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UNIFAAT, e pós-graduanda em Direito Tributário pela PUCMG.
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